Recentemente tivemos a triste notícia do falecimento de Daniel Kahneman, uma perda irreparável para todos nós que nos interessamos pelas ciências comportamentais. Nos tornamos órfãos de um dos pais da psicologia econômica, cujo trabalho influenciou profundamente a forma como entendemos o comportamento humano diante das decisões financeiras.
Em 2002, Kahneman recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Na minha opinião, um prêmio mais do que merecido por suas contribuições revolucionárias para o campo da economia comportamental. Já era hora de a economia se aproximar da realidade e olhar para o comportamento humano com o carinho que o tema merece. E Kahneman escancarou essa necessidade.
A economia tradicional procurava manter afastadas as emoções que influenciam as nossas decisões econômicas do dia a dia. Tratava-se de uma ciência baseada em modelos matemáticos que tentavam explicar o mundo, sem necessariamente se preocupar com a realidade e com toda a complexidade emocional que nos cerca.
A sua obra mais conhecida e aclamada, escrita em parceria com Amos Tversky, já falecido à época do prêmio, “Rápido e Devagar – Duas formas de pensar”, foi eleita uma das melhores do ano de 2011 pelo New York Times Book Review.
Sim! Eu não posso deixar de sorrir, quando me lembro de como descobri esse livro. E ele mudou para sempre a minha forma de pensar. Foi em um daqueles dias cheios de contratempos, quando nada estava saindo conforme o planejado… Pra piorar, eu tinha acabado de perder o meu voo de volta de São Paulo para o Rio.
Sem ter o que fazer, além de lamentar, decidi entrar numa livraria para passar o tempo. Me lembro como se fosse hoje… Procurava uma boa leitura para me distrair enquanto esperava o próximo voo, e vi um livro despretensioso com um lápis na capa dizendo que o autor tinha sito Nobel de Economia. Claro que me interessei de cara e o comprei. Era o livro “Rápido e Devagar” e dediquei algumas horas ociosas à sua leitura.
Eu não sabia, mas aquele encontro casual seria o começo de uma jornada incrível de descobertas e aprendizado no mundo das ciências comportamentais. Depois dessa descoberta, fiz inúmeros cursos, assisti palestras e li outros livros também sobre o assunto.
O tempo passa rápido, não é mesmo? Lá se vão mais de 10 anos! Algum tempo depois eu até escrevi um texto no meu site, indicando a leitura da obra (e olha que isso foi lá em 2013).
Nesse livro, Kahneman questiona a pressuposição da Economia Clássica de que o homem é racional em suas escolhas (definitivamente não somos nada racionais, ou quase nada!). Por meio de pesquisas empíricas, ele demonstra que, na maioria das vezes, nossas decisões são tomadas de forma intuitiva e emocional. Ao longo das páginas, ele nos leva a explorar os dois sistemas de pensamento que guiam nossas escolhas.
O “Sistema 1” é rápido, intuitivo e baseado em instintos e emoções, enquanto o “Sistema 2” é mais lento, lógico e analítico. O primeiro controla as atividades automáticas, mas pode ser influenciado por estereótipos e vieses, enquanto o segundo é acionado quando precisamos de um raciocínio mais elaborado, porém é mais preguiçoso.
Em “Rápido e Devagar”, Kahneman nos apresenta a uma série de vieses cognitivos e heurísticas que influenciam as nossas escolhas. Ele nos mostra como esses padrões de pensamento podem nos levar a cometer erros previsíveis, mesmo quando achamos que estamos tomando decisões de maneira racional.
Mas Leticia… O que são as heurísticas e vieses? Então, de acordo com o Vol. 1 da Série Comportamental da CVM, as heurísticas são como regras de bolso ou atalhos mentais que simplificam a percepção e a avaliação das informações que recebemos, tornando a tarefa de tomar decisões mais ágil e simples.
Agora vem uma pergunta natural: mas o que pode acontecer quando tomamos decisões mais rapidamente? Nós aumentamos a chance de errar! Tudo tem suas vantagens e desvantagens e, no caso desses atalhos de simplificação e agilidade, podemos ser empurrados para inúmeros erros de percepção, avaliação e julgamento, que escapam à racionalidade ou estão em desacordo com a teoria da estatística (não somos computadores). A cereja do bolo é que Kahneman descobriu que esses erros, chamados de “vieses”, ocorrem de forma sistemática e previsível em determinadas circunstâncias.
A Teoria da Perspectiva, como Kahneman e Tversky descrevem no livro, revela como encaramos ganhos e perdas de maneira desigual. Tendemos a sentir a tristeza de perder algo com uma intensidade muito maior do que a da alegria de ganhá-lo. É por essas e outras que a alegria de ganhar R$ 100 não se equipara à tristeza de perder o mesmo valor. Mas Kahneman não parou por aqui…
Segundo ele, para que as intensidades do ganho e da perda fossem igualitárias, seria preciso ganhar duas vezes e meia o valor de uma perda. Ou seja, voltando ao exemplo acima, seria necessário ganhar R$ 250 para ter uma alegria em intensidade equivalente à uma perda de R$ 100. Essa não é uma constatação fantástica?
Seu legado vem inspirando uma geração de estudiosos e influenciando áreas como finanças e marketing. Ao nos despedirmos deste grande pensador, honramos sua memória ao continuar explorando as nuances do comportamento humano e buscando maneiras de aplicar seu conhecimento para melhorar o mundo nosso entendimento de como tomamos nossas decisões financeiras.