Temos visto recentemente uma subida grande nos preços, principalmente dos alimentos no supermercado. Isso nos faz desconfiar de que a inflação esteja muito mais alta do que aquela divulgada oficialmente. Mas por que isso está acontecendo? Será que estão omitindo uma parte dos aumentos de preço nos cálculos da inflação?
A primeira questão que precisa ficar clara é: a sua cesta de consumo pode não ser igual àquela calculada pelos índices de inflação. A segunda questão é: atualmente, dada a crise, temos consumido mais dos produtos cujos preços estão subindo e menos daqueles em que estão caindo.
Vamos entender melhor isso…
Inflação: dólar e crise
Pois é… Realmente os preços dos alimentos subiram muito e grande parte dessa subida é devida ao aumento do dólar.
O que acontece é que quando o dólar está mais alto, fica mais interessante ao produtor brasileiro exportar, pois com o mesmo preço em dólar, recebe mais reais nessa venda. Por outro lado, como consequência natural, quando o produtor exporta mais, diminui a oferta do produto por aqui e os preços aumentam.
Os ítens que são importados também têm seus preços elevados pela mesma situação. Mesmo que seus valores em dólares não tenham aumentado, precisaremos de mais reais para comprá-los.
Com o auxílio emergencial, também houve um aumento na demanda pelos produtos básicos de alimentação, fazendo com que seus preços aumentassem.
Inflação: cesta de consumo
Uma outra questão importante é que a inflação é medida pela variação dos preços de uma cesta de produtos. Expliquei como calcular a inflação com mais detalhes nesse outro artigo aqui: O que é inflação? Qual é o seu impacto no poder de compra das pessoas?
No IPCA, que é o índice oficial do Governo, a alimentação no domicílio cujos preços vêm subindo muito (+6.10% no ano), compreende menos de 15% do seu peso total e transporte, que temos usado pouco e cujos preços vêm caindo (-3,46% no ano), pesa mais de 20%, por exemplo.
Então, como não estamos viajando (passagem aérea caiu 57,86% no ano!) e estamos comprando mais os nossos alimentos no supermercado, acabamos sentindo mais no nosso bolso esse aumento dos alimentos no domicílio e não sentimos essa queda dos preços das viagens de avião.
O que acontece é que o cálculo da inflação pelo IPCA sempre considera basicamente aquela mesma cesta de produtos, como se sempre fossem consumidos naquela mesma proporção todos os meses, com algumas pequenas alterações ao longo do tempo. Isso faz com que essa média divulgada esteja mais baixa do que aquela inflação dos produtos que estamos consumindo mais agora.
A cesta de produtos só muda bastante quando é feita uma nova pesquisa nas famílias para identificarem as mudanças na cesta de consumo dos brasileiros, mas isso acontece apenas de tempos em tempos. Para se ter uma ideia, a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) feita pelo IBGE, que é quem calcula o IPCA, foi em 2017-2018 e antes tinha sido feita em 2009.
Veja aqui os pesos de cada item agora na nova ponderação de 2017-2018 e da antiga de 2009.
Portanto, a nossa percepção é de que a inflação está maior do que aquela que está sendo divulgada, mas na verdade a SUA inflação pode estar maior mesmo!
Porém, é importante entender que não há uma distorção do percentual divulgado de inflação pelo IPCA. O que ocorre é que a inflação de cada um é diferente dessa inflação divulgada pelo IPCA, que é calculada com base em uma média do consumo dos brasileiros.
Inflação: IGP x IPC
E não acaba aqui… É preciso lembrar que ainda temos diferenças entre os índices IGPs e os IPCs.
Mas, o que é isso, Leticia?
Você já reparou na diferença entre os percentuais de aumento que estão sendo divulgados de inflação pelo IGP-10, IGP-M e IGP-DI em relação ao IPCA?
A questão aqui é que esses índices IGPs e IPCs medem cestas diferentes de produtos…
Vamos começar pelos IGPs. Para começar, existem 3 IGPs, o IGP-10, o IGP-M e o IGP-DI que se diferenciam pela data da coleta e divulgação:
- O IGP-10 é coletado do dia 10 de um mês até o dia 10 do mês seguinte e é divulgado em torno do dia 20.
- O IGP-M é coletado do dia 20 de um mês até o dia 20 do mês seguinte e divulgado no final do mês (por isso é o mais utilizado para atualizar contratos, já que no início do próximo mês já está disponível).
- E o IGP-DI, que é coletado do dia 30 ao dia 30 do mês seguinte e divulgado em torno do dia 20.
Esses 3 índices são compostos por 60% do Índice de Preços no Atacado (IPA), 30% do índice de Preços ao Consumidor (IPC) e 10% pelo Índice de Preços da Construção Civil (INCC).
O que acontece normalmente quando o dólar sobe é que as indústrias conseguem repassar no atacado esse aumento do dólar para seus preços. No entanto, os supermercados, por exemplo, não conseguem repassar no varejo a totalidade desse aumento para os consumidores finais. Então, o IPA (índice do atacado) aumenta mais e o IPC (índice do consumidor) aumenta menos.
Como a maior parte da composição dos IGPs é de IPA (60% é composto por esse índice de atacado), esses índices vêm subindo mais do que o IPCA (que é 100% calculado no varejo) nos últimos tempos.
Para você ter uma ideia, no acumulado de 12 meses até agosto, o IPCA subiu 2,44% e o IGP-DI, 15,23%. Percebe a diferença? Grande parte disso por causa da subida do dólar que pesa mais nos IGPs.